Estou aqui olhando o mar Rio da minha cidade Não sei quem o fez zangar Com tanta animosidade. Ondula-se numa fúria Sob as rajadas do vento tem uma cor de penúria Que lhe vem do firmamento. Ontem era azul marinho E sob os raios solares Prateava um caminho Dos que encantam os olhares. Amanhã já sem borrasca Nova planície será E a alegria que nos dá Cada dia mais se alastra. Amo o branco rendilhado Desta baía tão linda À beira do rio Sado Eu nasci e vivo ainda!
A águia gloriosa de Lisboa Na sua muda intrépida de pena Está a cada dia mais pequena Quer voar mas já pouco ou nada voa. Dela dizem que ainda paira alta Os adeptos que não conseguem ver Que a águia a pouco e pouco anda a morrer Para entrar num caixão pouco lhe falta. Tirai a vossa águia da agonia Deixando de estar presos ao passado A glória nasce sempre no relvado Mas nunca em qualquer secretaria. Que a águia ponha os olhos no dragão Nada ganha batendo asas à toa De novo sobre as torres de Lisboa Há-de planar firmando os pés no chão!
Tu já és o pó que à terra há-de voltar Embora na terra ainda sejas passajeiro Uma travessa em frente do teu olhar Não impede que no alheio vejas o argueiro. Vejo-te perdido numa idade Em que o movimento deixou de existir Vives fora da modernidade Tens no passado o teu único porvir. Não lês como não liam os teus avós Não escreves que para ti não há penas Revês-te em coisas tão pequenas Que a tua vida é uma corda cheia de nós. Como gostava de poder estender-te a mão Mas tu foges do que em mim não vês em ti Condenas-te condenando-me sem razão Nunca verás o que até hoje eu já vi...
No silêncio das palavras que não dizes
Ouço histórias que não ficam por contar
Momentos em que nós somos felizes
Talvez valha a pena um dia recordar.
Merendas sob o céu azulado
O Sol a brincar com os teus cabelos
A toalha de desenhos sobre o relvado
Tu e eu trocando desvelos.
O vento dança com as folhas das árvores
A valsa de nome eternidade
Melros solistas cheios de artes
Anunciam o mistério da natividade.
A Primavera corre atrás do Verão
As crianças umas atrás das outras
A chuva ainda vai molhando o chão
Os de sangue frio saem das suas tocas.
A vida como um rio novo e velho
Nascido numa longínqua serra
É a imagem reflectida num espelho
Do que somos tu e eu aqui na terra...
Uma luz ao fim do túnel Pode ser a luz em nós Se não ficarmos a sós Em 'scuridão insolúvel. A brisa fresca ligeira Numa tarde de calor Ameniza a soalheira E enxuga um pouco o suor. Se for alta uma parede Que não se possa trepar Que jamais alguém se enrede Por deixar de a contornar. São as malhas duma rede Ora largas ora 'streitas As coisas que são bem feitas Não haverá rede que as vede. Tristeza e alegria correm Lado a lado como iguais Se umas andorinhas morrem Logo nascem outras mais!
Sem querer ter a certeza
De que penso sem engano,
Vejo na língua a nobreza
Do brio mais lusitano.
Cada vez mais a certeza
Da minha objectividade
Me surge com a firmeza
Da luz que dá claridade.
De que é bom falar correcta
E claramente a certeza
É mais das almas pureza
Do que pensar de pateta
Faz parte do patriotismo
Ter bem presente a certeza
De que a língua portuguesa
Não é qualquer barbarismo!
Do esforço à realidade Da convicção ao efeito Vão duas imensidades Maiores que qualquer sujeito. Qualidades almejadas São presas do julgamento Cinzas jogadas ao vento De pretenções mal pensadas. O equilíbrio rejubila Nas pessoas prevenidas Contra à queda que aniquila Das alturas desmedidas. Além das nuvens sabidas E de vento forte em rajadas Também podem trovoadas Ocorrer nas nossas vidas... Na interactividade Desta era em que vivemos Falar com a vacuidade Deixa marca de somenos Usa no campo uma albarda A burra que na cidade No corpo traz uma farda De pano de qualidade!
Tu que te andas a esconder Esqueces que não sofro de cegueira Nem percebes que sou o primeiro a ver E que só tu cais na tua ratoeira... Ninguém tem culpa do que é ao nascer Quer nasça mais ou menos inteligente Mas encontrar na burrice prazer Não é proeza própria de gente... Tanto pisas o fio da navalha Que o andar já trazes calejado A estupidez jamais te atrapalha Porque dela vives rodeado... Não pode haver maior obscuridade Do que não ver o que aos olhos se depara De quem te escondes em ti repara E enoja-se da tua indignidade... Do modo dissimulado como actuas Perdes-te nas trevas desumanas Nem mereces partilhar as ruas Com o cidadão que julgas que enganas...
Hoje vivo sem companhia Pela cidade vagueio só Mas não me falta alegria De mim que não tenham dó. Falo sozinho é verdade Meditando naquilo que sou Sofro de muitos a fealdade Mas sigo bem por onde vou. Não se alia a carne ao ferro Nem os objectos ao homem Os que me condenam ao desterro Mais a si próprios se consomem. Nesta ladainha é bem evidente Uma e outra face da moeda Não passa de tolo contente Quem ao diálogo se nega. Se falo é porque há dano Que não me abate porém Valem menos do que um vintém Os que vivem sem traço humano. A vida não pode ser caminho que nada deve Nem se pode converter Num simplesmente come e bebe. Erguendo os meus olhos vi Com uns bons olhos de ver Uma luz eu descobri Que me ensinou a viver. Na Natureza se vislumbra O sinal que nos conduz Vive sempre na penumbra Quem não descobre a sua luz!
Vi um sonho a correr Um sonho a crescer Um sonho realidade Não de bens a receber Que possam enriquecer senão a curiosidade. Numa viagem diária Que se torna já ordinária Sem ser por necessidade Percorro Lisboa a esmo Enriqueço-me a mim mesmo Redescobrindo os tesouros da cidade. Sem roteiro programado Ando por todo o lado Aceito o que o acaso me traz Emoções inexprimíveis Momentos inesquecíveis A tranquilidade da paz. Muito tenho visto e revisto Ainda assim não resisto A passar mais uma vez Chega ao ponto a fantasia De confirmar a freguesia Junto de um e outro Freguês. Coisas que levarei um dia Para aquela moradia A que chamam eternidade Por ora não penso na morte Prefiro bendizer a sorte de viver uma tal felicidade!