Estou aqui olhando o mar Rio da minha cidade Não sei quem o fez zangar Com tanta animosidade. Ondula-se numa fúria Sob as rajadas do vento tem uma cor de penúria Que lhe vem do firmamento. Ontem era azul marinho E sob os raios solares Prateava um caminho Dos que encantam os olhares. Amanhã já sem borrasca Nova planície será E a alegria que nos dá Cada dia mais se alastra. Amo o branco rendilhado Desta baía tão linda À beira do rio Sado Eu nasci e vivo ainda!
A águia gloriosa de Lisboa Na sua muda intrépida de pena Está a cada dia mais pequena Quer voar mas já pouco ou nada voa. Dela dizem que ainda paira alta Os adeptos que não conseguem ver Que a águia a pouco e pouco anda a morrer Para entrar num caixão pouco lhe falta. Tirai a vossa águia da agonia Deixando de estar presos ao passado A glória nasce sempre no relvado Mas nunca em qualquer secretaria. Que a águia ponha os olhos no dragão Nada ganha batendo asas à toa De novo sobre as torres de Lisboa Há-de planar firmando os pés no chão!
Os sussurros que chegam aos meus ouvidos Quando pronuncias o meu nome Abel são doces quais melosos zumbidos De abelhas elaborando favos de mel, Nas tuas mãos trazes a delícia Das carícias cada vez mais recriadas Adormeço adormecido na preguiça De separar as nossas mãos entelaçadas. Nos teus beijos mato a sede infinda Que os teus lábios tão bem sabem saciar Olhando para ti vejo-te tão linda Que o coração parece querer me abandonar. Vai sem sair do meu peito Paira sobre nuvens em folguedo Só e mudo no pretérito-perfeito Ora o que de ti vê diz-me em segredo. Outrora uma rua silenciosa e parda Hodierna avenida ladeada de plantas Amanhã é um tempo que não tarda Transbordemos hoje de amor até às tantas!
Nos dias venturosos de primavera Em que o vento sopra mais ligeiro Encurtas muito mais a minha espera Do que no tempo frio ou soalheiro. O teu corpo cheio de frescura Abre-se em pétalas coloridas Sou rio correndo sobre a planura Do horizonte das nossas vidas. Qual árvore folheando os seus ramos Trazes contigo o Sol levantino Tens a luz da lua quando admiramos O mar tomado de furor repentino. Serás sempre um elo no destino que for Forte ou fraco pouco importa Serás a chave que abre e fecha a porta Por onde exalamos o perfume do amor. As gotas caídas no chão duma gruta Penetradas nos interstícios do rochedo Trazem consigo o eterno segredo Que só conhece quem as escuta...
Tu já és o pó que à terra há-de voltar Embora na terra ainda sejas passajeiro Uma travessa em frente do teu olhar Não impede que no alheio vejas o argueiro. Vejo-te perdido numa idade Em que o movimento deixou de existir Vives fora da modernidade Tens no passado o teu único porvir. Não lês como não liam os teus avós Não escreves que para ti não há penas Revês-te em coisas tão pequenas Que a tua vida é uma corda cheia de nós. Como gostava de poder estender-te a mão Mas tu foges do que em mim não vês em ti Condenas-te condenando-me sem razão Nunca verás o que até hoje eu já vi...
No silêncio das palavras que não dizes
Ouço histórias que não ficam por contar
Momentos em que nós somos felizes
Talvez valha a pena um dia recordar.
Merendas sob o céu azulado
O Sol a brincar com os teus cabelos
A toalha de desenhos sobre o relvado
Tu e eu trocando desvelos.
O vento dança com as folhas das árvores
A valsa de nome eternidade
Melros solistas cheios de artes
Anunciam o mistério da natividade.
A Primavera corre atrás do Verão
As crianças umas atrás das outras
A chuva ainda vai molhando o chão
Os de sangue frio saem das suas tocas.
A vida como um rio novo e velho
Nascido numa longínqua serra
É a imagem reflectida num espelho
Do que somos tu e eu aqui na terra...
Sonhei um dia contigo E passaste a ser alguém Com que sonho ao abrigo Dos sonhos que fazem bem. Será por ti mais sonhado De tudo com que sonhaste O que sempre desejaste Mas nunca foi alcançado. Os sonhos que nós sonhamos São coisas que se idealizam, Embora todos saibamos: Nem sempre se concretizam. Dos sonhos lindos que sonham, Da infância à velhice Os homens não se envergonham Que sonhar não é tolice!
Uma luz ao fim do túnel Pode ser a luz em nós Se não ficarmos a sós Em 'scuridão insolúvel. A brisa fresca ligeira Numa tarde de calor Ameniza a soalheira E enxuga um pouco o suor. Se for alta uma parede Que não se possa trepar Que jamais alguém se enrede Por deixar de a contornar. São as malhas duma rede Ora largas ora 'streitas As coisas que são bem feitas Não haverá rede que as vede. Tristeza e alegria correm Lado a lado como iguais Se umas andorinhas morrem Logo nascem outras mais!
Sem querer ter a certeza
De que penso sem engano,
Vejo na língua a nobreza
Do brio mais lusitano.
Cada vez mais a certeza
Da minha objectividade
Me surge com a firmeza
Da luz que dá claridade.
De que é bom falar correcta
E claramente a certeza
É mais das almas pureza
Do que pensar de pateta
Faz parte do patriotismo
Ter bem presente a certeza
De que a língua portuguesa
Não é qualquer barbarismo!
Do esforço à realidade Da convicção ao efeito Vão duas imensidades Maiores que qualquer sujeito. Qualidades almejadas São presas do julgamento Cinzas jogadas ao vento De pretenções mal pensadas. O equilíbrio rejubila Nas pessoas prevenidas Contra à queda que aniquila Das alturas desmedidas. Além das nuvens sabidas E de vento forte em rajadas Também podem trovoadas Ocorrer nas nossas vidas... Na interactividade Desta era em que vivemos Falar com a vacuidade Deixa marca de somenos Usa no campo uma albarda A burra que na cidade No corpo traz uma farda De pano de qualidade!