O verdadeiro vaidoso Quer ser vaidoso sozinho Um poeta consciencioso Assim não é tão mesquinho. Os poetas mais talentosos Sabem que, pra bem escrever, Não podem ser presunçosos E os outros têm que ler. Versos em bom português Podem ter valor ou não Os escritos de viés Nem sequer uns versos são... Fossem por outros escritos Os versos que tu escreves Não vias o que percebes Nos teus papéis manuscritos... Falas dos teus sentimentos Em palavras proferidas Que dizem coisas diferentes Das que são por ti sentidas...
Sou um homem muito triste E de alma bem comovida Em dias da minha vida Desalento em mim existe. O coração por mim chora Em lágrimas esvaído O quanto tenho sofrido Generoso não ignora. Amigo na desventura Consolador sempre atento Meu coração meu alento Nos momentos de amargura. Alegres ou de pesar Há versos na minha mente Qundo o meu coração sente Que é tempo de me inspirar. Dizendo para comigo Os versos a cogitar Esta minh'alma alegrar Por vezes assim consigo...
Eu sou ateu! Inda assim, só mui dificilmente, Poderá existir algum crente Que seja mais crente do que sou eu! Quem tem ouvidos Que ouça o que dizem os mandamentos E o que dizem os seus pensamentos E verá que eles andam distraídos! Aos olhos meus Os que dizem, sem quaisquer bravatas, Que não são crentes nem democratas, Esses estão mais perto de Deus!
Da discussão nasce a luz! O "eureca" da descoberta! A nota sublime do executante! Discute-se com discordâncias e concordâncias Sem condescendências Que semelham a esmola dada ao pobre Que perpetua a fome milenária Dos sempre repetidos indigentes... Discute-se com recuos e avanços No sentido da perfeição Sem condescendências! Não condescendem O médico nos seus diagnósticos O cientista nas suas experiências O compositor no arranjo das suas notas O escritor na urdidura da sua narrativa O pintor Que busca combinações cromáticas originais O cantor Que trabalha a colocação da sua voz O pianista Que aperfeiçoa a sua técnica de execução... O ser vivo Que por força quer nascer O sorriso Que se desenha nos lábios duma criança O melro no seu trinado mavioso A rosa no seu abrir triunfante O poeta Cujos poemas tornam o verso livre ou tradicional... O navio Que sulca as águas salgadas O vento Que nunca perde o seu sopro O Sol Que brilha e nos aquece O mar Que nos traz a brisa fresca A Lua Que à noite nos ilumina... Discute-se sem condescendências Que andam de braço dado com o silêncio Que forçosamente guardam O triste Que não tem nada para dizer E se refugia na sua mudez de granito O cadáver lívido Que jaz no ataúde O desesperado Que troca a vida pela morte O surdo Que não responde à pergunta Que não ouve O mudo Que se exprime em linguagem gestual Os oprimidos Que não têm voz Os poemas surdos-mudos Que o verso livre engendra... As imensidades rochosas!
O ruído da multidão Num alarido constante Despertou-me e num instante Entrei na revolução. Qualquer revolta de um povo Sempre agita e revolve Mas, logo a seguir, de novo, Tudo o que fora já volve. Alguém morre ou fica ferido Porque a sorte é sempre a mesma E ao povo desiludido Já o engoliu o aventesma. O demagogo incendeia As razões que são do povo Levando-o sempre de novo A cair na sua teia. Os homens desprotegidos Vão atrás da utopia Esquecendo a cobardia De quem os deixa traídos. Mas a revolta passou E lá vão uns figurões Concorrer às eleições Que a sua vez já chegou. Não é nobre a profissão Que as carências manipula E proventos acumala Iludindo o cidadão...
Uma vida mal fadada É uma via sem norte Desde logo condenada À pura falta de sorte. Nos destinos sem destino Só há luzes apagadas As vidas são só uns nadas Neste mundo peregrino. Nos labirintos da sorte Tudo corre bem ou mal Corre a vida e corre a morte Num passo igual desigual. Remir o azar com a sorte Ludibriando o destino É como fugir da morte Ou ficar sempre menino. O tempo já não decorre Ora pára ora voa E nenhuma coisa é boa Nada nasce tudo morre. A pouco e pouco se extingue O sopro que a vida dá Já não há nada que vingue O nada é tudo o que há.
Já enxergo o precípicio Não fujo não vale a pena Que alma ficou pequena E a vida é só suplício. Se um dia fizer um mapa Que simbolize a tristeza Pode servir-lhe da capa Toda a minha natureza. Por sobre um rio gelado A minha tristeza em festa É trenó por cães puxado Através duma floresta. Não sei se é angustiante Ou se apenas insulúvel Esta vida tão volúvel Que se exaure num instante. Procurar em Deus Jesus Uma forma de refúgio Talvez seja um subterfúgio Talvez seja uma luz.
Não sei pra onde me levam As palavras do meu fado Só sei que em mim não sossegam Nem me deixam sossegado. Segredam-me a toda a hora Nunca me põem de lado Nunca me deixam de fora As palavras do meu fado. Correm sempre à brida solta Chegam sempre a todo o lado E não precisam de escolta As palavras do meu fado. Quando ficam descontentes Dizem-no em tom exaltado Não se prendem com correntes As palavras do meu fado. Meus ouvidos não são surdos Nem eu vivo acorrentado Reagem contra os absurdos As palavras do meu fado.
A boa hora de agir Chega no momento asado Ninguém poderá fugir. Às palavras do meu fado. Num tempo cadenciado Penetram as consciências Em nenhum lado há ausências Das palavras do meu fado. De carácter susceptível Há quem se ache mal visado Ninguém fica inacessível Às palavras do meu fado. O fado da minha vida É um destino fadado São uma vida vivida As palavras do meu fado...
Chamou-me uma pessoa muito triste Quebrada sem remédio que se visse Não sei bem me parece alguém lhe disse: A sua salvação já não existe! Que coração tão cheio de aspereza Um modo de falar muito ruim Que aumenta ainda mais a incerteza De quem julga que a vida chega ao fim! Ajudei como pude reanimando Aquela criatura deprimida Se melhorou só Deus sabe até quando! Seguiu o meu conselho isso sei eu Entrou numa igreja e rezando Achou aquela paz que vem do Céu!
Subi a um alto penhasco E de lá olhei pró fundo E vi que no nosso mundo O mal tem um campo vasto. E também vi a pairar O tão insensível luxo Que leva no seu repuxo Tudo o que pode arrastar. Vi o trepar insaciável Em que tudo se atropela E a vida se nos revela Por vezes abominável. Vi homens feros insanos Mais que um animal selvagem Destruir a boa imagem Dos valores mais humanos. Vi homens muito maiores Que têm a alma etérea Que lutam contra a miséria Que seguem outros valores...
Encontrei uma concha já vazia, Enterrada naquela areia solta, Numa cor desmaiada toda envolta, Lembrando-me que a vida acaba um dia... Se Deus me deu a voz para cantar, Eu canto porque Deus assim o quer, Cantando ponho as coisas no lugar Certo ou errado a Deus cabe saber... O dom divino só a Deus pertence E vem dentro de nós como ele quer E só Deus sabe quem mais o merece... Não sei se de mim Ele se esqueceu, Do meu canto , porém, quero bem crer Que o dom de fazer versos vem do Céu!