Gostaria de chegar ao cume De algum feito que valesse a pena Não ser só um ente de cio e ciúme Tenho alma que não se quer pequena.
O meu juízo não é lá muito destro Tantas vezes me arrasta mesmo que eu não queira Por mais que grite não ouve o meu protesto Faz da minha vida uma ratoeira.
As ruas largas parecem estreitas Em dias escuros mesmo à luz solar Para curar esta pecha não há receitas Abarca mal a vida o meu radar.
Nem sempre a luz do sol me desampara Vivo dias que são muito claros Os bons momentos não são assim tão raros Mas é nos piores que a gente mais repara.
Pensar demais não é bom conselho Não meditar é viver sem aviso O saber que nos é mais preciso Não encontramos em qualquer evangelho.
Sigo num comboio de calmas viagens Perscrutam-me pinheiros e eucaliptos Ciosamente erguidos de ambas as margens Por mim semelham senhores dos aflitos.
Por baixo passa o estéril leito dum ribeiro Que traz à memória a água preciosa De uma estação mais pluviosa Não fosse este Outono um fruto de sequeiro.
Alcantilado da ponte sobre o Tejo Vou chegando finalmente a Lisboa Para trás ficou a nostalgia que magoa Deixo-me envolver pelo deslumbre que revejo.
Vou a Sacavém por camarate caminho pela rua dos seus bombeiros voluntários Embora a princípio achasse um disparate Somar mais este percurso aos meus itinerários...
O Sol de frente banha o meu rosto Ergo os olhos e os seus raios já não suporto O brilho que antecede o desgosto Do amor que era luz e agora está morto.
A brancura mais alva das manhãs límpidas Perde a sua claridade do sol que se esconde Penetra a inquietude até às fimbrias Chega a dor não se sabe bem donde.
Se eu fosse um grande poeta E bons os versos que fizesse Seria de ouro a minha caneta E deles gostaria quem os lesse.
Se eu tivesse o jeito acabado Para escrever que não a martelo Teria telhas o meu telhado A minha casa um ar mais belo.
Se a vida fosse ao contrário Começasse onde chega ao cabo Seria outro o meu rosário Talvez até matasse o diabo.
Se a existência fosse um trajecto De sonhos sempre a crescer Partiria num barco discreto Que zarpasse ao amanhecer.
Se não cantasse os dissabores Morrendo eu morreria Mais não são que os rumores De passos subindo a escadaria....
A mim... ninguém me incomoda Incomoda-me não conseguir aprender Não qualquer coisa que esteja na moda Mas sim algo que seja preciso saber.
Muita gente de si mesma anda a fugir Fugindo de quem lhes é mais perfeito São nadas as coisas que os fazem distrair O nada parece-lhes algo sem defeito.
O analfabetismo a iletracidade Sobranceiros como que os esquecem Convivem com a sua precaridade As suas vidas raramente amanhecem.
Un túnel impenetrável e vitalício Tudo põe de pernas para o ar A má cópia torna-se um vício Que impede as pessoas de sonhar.
Um mundo sem leitura sem escrita Umas aves de asas sempre encharcadas O desconhecimento lança enormes arcadas Sobre a distorção que tal gente habita...
Serão as grandes maravilhas do mundo As obras de arte e as arquitetónicas Ou as emoções que perpassam num segundo Imperceptíveis e platónicas?
A dor na sua própria realidade São palavras que falam duma qualquer ferida O bem-estar flutua numa tranquilidade Que por nós passa despercebida.
Caminhando pelo prazer de andar Em lugares que por nós não foram ainda vistos São muitos os indizíveis momentos benquistos Que nos povoam e se alegram do nosso vagar.
A vida envolve-se de mantos belos e raros Que são desconhecidos das altas velocidades Não existem elogios falsos nem falsos reparos Caem no abismo as feiras das vaidades.
Em tempo de aperto moitas e canaviais Sanitários de orifício para moedas São poiso das necessidades vitais Que ganham foros de grandes proezas...
Deixar as palavras seguir o seu rumo Deixar-nos levar pelo silêncio talvez assim a gente proceda com aprumo Talvez assim se evite o inútil dispêndio...
Seguindo por uma tal conduta Orientadora dos nossos sentidos Talvez a gente fuja de qualquer disputa Que por força gera sempre inimigos.
As palavras rumadas são verdadeiras Não são apenas metáforas e seus jogos Não têm por missão ser feiticeiras Nem o seu objectivo será atear fogos!
Se cairmos no meio de uma combustão Ainda que por instantes muito breves As queimaduras podem ser leves Mas deixam marcas quer a gente queira ou não.
Andarmos apressados sem nexo É como caminhar-se à deriva Tudo se torna tão complexo... E a vida ainda mais opressiva...